sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Entrevista com Léa Fagundes sobre a inclusão digital

Pioneira no uso da informática educacional no Brasil, Léa Fagundes cobra políticas públicas para o setor e defende a ajuda mútua entre professores e alunos.
A sala de informática do Laboratório de Estudos Cognitivos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) abriga, entre vários computadores de última geração, alguns equipamentos sucateados. Embora não sejam tão antigos, esses micros parecem pré-históricos perto dos demais. A comparação entre as máquinas ajuda a perceber a rapidez vertiginosa com que a tecnologia se renova.

Nesse ambiente hi-tech, instalado no Instituto de Psicologia da UFRGS, a professora Léa da Cruz Fagundes recebeu a reportagem de ESCOLA para esta entrevista sobre inclusão digital. Precursora do uso da informática em sala de aula no Brasil, a presidenta da Fundação Pensamento Digital, de Porto Alegre, tem alcançado resultados animadores com as experiências que desenvolve em comunidades carentes do estado. Elas mostram que crianças pobres, alunas de escolas públicas em que não se depositam muitas expectativas, têm o mesmo desempenho que as mais favorecidas quando integradas no ciberespaço.
Segundo a especialista, o caminho mais curto e eficaz para introduzir nossas escolas no mundo conectado passa pela curiosidade, pelo intercâmbio de idéias e pela cooperação mútua entre todos os agentes envolvidos no processo. Sem receitas preestabelecidas e os ranços da velha estrutura hierárquica que rege as relações entre professores e estudantes.

Léa defende a disseminação de softwares livres, sem custo e de fácil acesso pela internet. Consultora de programas federais que visam ampliar a inclusão digital nas escolas brasileiras, a professora pede mais seriedade à classe política: "Os projetos são iniciados e interrompidos periodicamente, pois as sucessivas administrações não se preocupam em dar suporte e continuidade a eles".


O que a senhora diria a um professor que nunca usou um computador e precisa incorporar essa ferramenta em sua rotina de trabalho?
Que não tenha medo de errar nem vergonha de dizer "não sei" quando estiver em frente a um micro. O computador não é um simples recurso pedagógico, mas um equipamento que pode se travestir em muitos outros e ajudar a construir mundos simbólicos. O professor só vai descobrir isso quando se deixar conduzir pela curiosidade, pelo prazer de inventar e de explorar as novidades, como fazem as crianças.

Como deve ser uma capacitação que ajude o professor a se adaptar a essas novas exigências?
É fundamental que a capacitação ofereça ao professor experiências de aprendizagem com as mesmas características das que ele terá de proporcionar aos alunos, futuros cidadãos da sociedade conectada. Isso pede que os responsáveis pela formação se apropriem de recursos tecnológicos e reformulem espaços, tempos e organizações curriculares. Nunca devem ser organizados cursos de introdução à microinformática, com apostilas e tutoriais. Esse modelo reforça concepções que precisam ser mudadas, como a de um curso com dados formalizados para consultar e memorizar. Em uma experiência desse tipo, o professor se vê como o profissional que transmite aos estudantes o que sabe. Se ele não entende de computação, como vai ensinar? Aprender é libertar-se das rotinas e cultivar o poder de pensar!

Que competências os educadores devem adquirir para utilizar com sucesso os recursos da informática?
Os professores em formação necessitam desenvolver competências de formular questões, equacionar problemas, lidar com a incerteza, testar hipóteses, planejar, desenvolver e documentar seus projetos de pesquisa. A prática e a reflexão sobre a própria prática são fundamentais para que os educadores possam dispor de amplas e variadas perspectivas pedagógicas em relação aos diferentes usos da informática na escola.

Onde o professor pode buscar informações sobre inclusão digital?
Ele pode visitar sites e participar de grupos de discussão. Consultar revistas especializadas e cadernos especiais dos jornais também ajuda muito. Outro caminho é buscar conhecimentos mais específicos com estudantes de escolas técnicas ou de cursos de graduação em informática e ouvir os próprios alunos.


É comum encontrar estudantes que têm mais familiaridade com a informática do que o professor. Como tirar proveito disso?
Transformando o jovem em um parceiro do adulto. Quando isso acontece, a relação educativa deixa de ser hierárquica e autoritária e passa a ser de reciprocidade e ajuda mútua. O educador não deve temer que o estudante o desrespeite. Ao contrário, o adolescente vai se sentir prestigiado por partilhar sua experiência e reconhecer a honestidade do professor que solicita sua ajuda. Esse fato é determinante para a criação de um mundo conectado.

A senhora coordena programas ligados à inclusão digital em escolas públicas. Que lições tirou dessa experiência?
Na década de 1980, descobri que o computador é um recurso "para pensar com", e que os alunos aprendem mais quando ensinam à máquina. Em escolas municipais de Novo Hamburgo, crianças programaram processadores de texto quando ainda não existiam os aplicativos do Windows, produziram textos de diferentes tipos, criaram protótipos em robótica e desenvolveram projetos gráficos. Hoje, encontro esses meninos em cursos de ciência da computação, mecatrônica, engenharia e outras áreas. Na Escola Parque, que atendia meninos de rua em Brasília, a informática refletiu na formação da garotada, melhorando sua auto-estima e evidenciando o desempenho de pessoas socialmente integradas. Alguns desses garotos foram contratados como professores e outros como técnicos.

Os alunos da rede pública têm o mesmo desempenho no uso da informática que os de escolas particulares e bem equipadas?
Sim. A tese de doutorado que defendi em 1986 me permitiu comprovar o funcionamento dos mecanismos cognitivos durante a construção de conhecimentos. Nos anos 1990 iniciei as experiências de conexão e confirmei uma das minhas hipóteses: as crianças pobres consideradas de pouca inteligência pelas escolas, quando se conectam e se comunicam no ciberespaço, apresentam as mesmas possibilidades de desenvolvimento que os alunos bem atendidos e saudáveis.

A educação brasileira pode vencer a exclusão digital?
Há excelentes condições para que isso aconteça. No Brasil já temos mais de 20 anos de estudos e experiências sobre a introdução de novas tecnologias digitais na escola pública. Esses dados estão disponíveis. O Ministério da Educação vem criando projetos nacionais com apoio da maioria dos estados, como o Programa Nacional de Informática Educativa (Proninfe) e o Programa Nacional de Informática na Educação (Proinfo). Muitas organizações sociais e comunitárias também colaboram nesse processo.

O que mais emperra o uso sistemático da informática nas escolas públicas?
A falta de continuidade dos programas existentes nas sucessivas administrações. Não se pode esperar que educadores e gestores tomem a iniciativa se o estado e a administração da educação não garantem a infra-estrutura nem sustentam técnica, financeira e politicamente o processo de inovação tecnológica.

Como o computador pode contribuir para a melhoria da educação?
Inclusão digital não é só o amplo acesso à tecnologia, mas a apropriação dela na resolução de problemas. Veja a questão dos baixos índices de alfabetização e de letramento, por exemplo. Uma solução para melhorá-los seria levar os alunos a sentir o poder de se comunicar rapidamente em grandes distâncias, ter idéias, expressá-las como autores e publicar seus escritos no mundo virtual.

Nossas escolas estão preparadas para utilizar plenamente os recursos computacionais?
A escola formal tem privilegiado essa concepção: é preciso preparar a pessoa para que ela aprenda. Mas o ser humano está sempre se desenvolvendo. Assim, as instituições também estão constantemente em processo. Por isso, a escola não precisa se preparar. Ela começa a praticar a inclusão digital quando incorpora em sua prática a idéia de que se educa aprendendo, quando usa os recursos tecnológicos experimentando, praticando a comunicação cooperativa, conectando-se. Mas algumas coisas ainda são necessárias. Conseguir alguns computadores é só o começo. Depois é preciso conectá-los à internet e desencadear um movimento interno de buscas e outro, externo, de trocas. Cabe ao professor, no entanto, acreditar que se aprende fazendo e sair da passividade da espera por cursos e por iniciativas da hierarquia administrativa.

Existe um padrão ideal de escola que usa a tecnologia em favor da aprendizagem?
Não é conveniente buscar padrões. Como sugeria Einstein, quando se trata de construir conhecimento é mais produtivo infringir as regras. O primeiro passo é reestruturar o espaço e o tempo escolares. Devemos dar condições para que os estudantes de idades e vivências diferentes se agrupem livremente, em lugares próximos ou distantes, mas com interesses e desejos semelhantes. Eles vão escolher o que desejam estudar. Essa liberdade definirá suas responsabilidades pelas próprias escolhas. Os professores orientarão o planejamento de forma interdisciplinar. Isso tudo é possível com o registro em ambiente magnético, que é de fácil consulta. Toda a produção pode ser publicada na internet, intercambiada e avaliada simultaneamente por professores de diferentes áreas.

Qual é sua avaliação sobre a proliferação de centros de educação a distância?
Nestes tempos de transição vamos conviver com projetos honestos e desonestos, alguns bem orientados e outros totalmente equivocados. O pior dos males é a voracidade do mercado explorador da educação a distância. Espero que a própria mídia tecnológica dissemine informações para o público interessado ter condições de analisar esses centros. É importante discriminar os cursos consistentes dos que "vendem ensino", ou seja, que reproduzem o ensino da transmissão, fora de contexto, em que o aluno memoriza sem compreender.
Léa da Cruz Fagundes
Gaúcha, com 58 anos de magistério, a coordenadora do Laboratório de Estudos Cognitivos do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul dedica-se há mais de 20 anos à informática educacional. Psicóloga com mestrado e doutorado com ênfase em informática e conferencista internacional requisitada, Léa Fagundes preside atualmente a Fundação Pensamento Digital, organização não governamental que dissemina a computação entre populações carentes.

Fonte: Marcelo Alencar (novaescola@atleitor.com.br)

Nove dicas para usar bem a tecnologia



O INÍCIO  Se você quer utilizar a tecnologia em sala, comece investigando o potencial das ferramentas digitais. Uma boa estratégia é apoiar-se nas experiências bem-sucedidas de colegas.

O CURRÍCULO  No planejamento anual, avalie quais conteúdos são mais bem abordados com a tecnologia e quais novas aprendizagens, necessárias ao mundo de hoje, podem ser inseridas.

O FUNDAMENTAL  Familiarize-se com o básico do computador e da internet. Conhecer processadores de texto, correio eletrônico e mecanismo de busca faz parte do cardápio mínimo.

O ESPECÍFICO  Antes de iniciar a atividade em sala, certifique-se de que você compreende as funções elementares dos aparelhos e aplicativos que pretende usar na aula.

A AMPLIAÇÃO  Para avançar no uso pedagógico das TICs, cursos como os oferecidos pelo Proinfo (programa de inclusão digital do MEC) são boas opções.

O AUTODIDATISMO  A internet também ajuda na aquisição de conhecimentos técnicos. Procure os tutoriais, textos que explicam passo a passo o funcionamento de programas e recursos.

A RESPONSABILIDADE
  Ajude a turma a refletir sobre o conteúdo de blogs e fotologs. Debata qual o nível de exposição adequado, lembrando que cada um é responsável por aquilo que publica.

A SEGURANÇA  Discutir precauções no uso da internet é essencial, sobretudo na comunicação online. Leve para a classe textos que orientem a turma para uma navegação segura.

A PARCERIA  Em caso de dúvidas sobre a tecnologia, vale recorrer aos próprios alunos. A parceria não é sinal de fraqueza: dominando o saber em sua área, você seguirá respeitado pela turma.

Fontes: Adriano Canabarro Teixeira, especialista de Educação e tecnologia da UFRGS, Maria de Los Dolores Jimenez Peña, professora de Novas Tecnologias Aplicadas à Educação Da Universidade Mackenzie, e Roberta Bento, diretora da Planeta Educação.

Um guia sobre o uso de tecnologias em sala de aula

Um painel para todas as disciplinas mostra quando - e como - as novas ferramentas são imprescindíveis para a turma avançar

TICs, tecnologias da informação e comunicação. Cada vez mais, parece impossível imaginar a vida sem essas letrinhas. Entre os professores, a disseminação de computadores, internet, celulares, câmeras digitais, e-mails, mensagens instantâneas, banda larga e uma infinidade de engenhocas da modernidade provoca reações variadas. Qual destes sentimentos mais combina com o seu: expectativa pela chegada de novos recursos? Empolgação com as possibilidades que se abrem? Temor de que eles tomem seu lugar? Desconfiança quanto ao potencial prometido? Ou, quem sabe, uma sensação de impotência por não saber utilizá-los ou por conhecê-los menos do que os próprios alunos?

Se você se identificou com mais de uma alternativa, não se preocupe. Por ser relativamente nova, a relação entre a tecnologia e a escola ainda é bastante confusa e conflituosa. NOVA ESCOLA quer ajudar a pôr ordem na bagunça buscando respostas a duas questões cruciais. A primeira delas: quando usar a tecnologia em sala de aula? A segunda: como utilizar esses novos recursos?

Dá para responder à pergunta inicial estabelecendo, de cara, um critério: só vale levar a tecnologia para a classe se ela estiver a serviço dos conteúdos. Isso exclui, por exemplo, as apresentações em Power Point que apenas tornam as aulas mais divertidas (ou não!), os jogos de computador que só entretêm as crianças ou aqueles vídeos que simplesmente cobrem buracos de um planejamento malfeito. "Do ponto de vista do aprendizado, essas ferramentas devem colaborar para trabalhar conteúdos que muitas vezes nem poderiam ser ensinados sem elas", afirma Regina Scarpa, coordenadora pedagógica de NOVA ESCOLA.

Da soma entre tecnologia e conteúdos, nascem oportunidades de ensino - essa união caracteriza as ilustrações desta reportagem. Mas é preciso avaliar se as oportunidades são significativas. Isso acontece, por exemplo, quando as TICs cooperam para enfrentar desafios atuais, como encontrar informações na internet e se localizar em um mapa virtual. "A tecnologia tem um papel importante no desenvolvimento de habilidades para atuar no mundo de hoje", afirma Marcia Padilha Lotito, coordenadora da área de inovação educativa da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). Em outros casos, porém, ela é dispensável. Não faz sentido, por exemplo, ver o crescimento de uma semente numa animação se podemos ter a experiência real.

As dúvidas sobre o melhor jeito de usar as tecnologias são respondidas nas próximas páginas. Existem recomendações gerais para utilizar os recursos em sala (veja os quadros com dicas ao longo da reportagem). Mas os resultados são melhores quando é considerada a didática específica de cada área. Com o auxílio de 17 especialistas, construímos um painel com todas as disciplinas do Ensino Fundamental. Juntos, teoria, cinco casos reais e oito planos de aula (três na revista e cinco no site) ajudam a mostrar quando - e como - computadores, internet, celulares e companhia são fundamentais para aprender mais e melhor.
Fonte: Revista Nova Escola