domingo, 5 de setembro de 2010

O sentido da inclusão digital

O sentido da inclusão digital

Imagine dois cenários para o futuro do Brasil:
Beth Almeida

Cenário 1
Redução da diferença educacional e social, com a nova geração tendo maior consciência dos problemas e atuando na melhoria da qualidade de vida.

Cenário 2
Ampliação do abismo educacional e social, com aumento do contingente de pessoas sem condições para disputar postos de trabalho.

A diferença entre a melhor e a pior situação pode estar em uma expressão muito falada, mas pouco praticada: inclusão digital e social.

Esta é a visão da professora Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, coordenadora do Projeto Gestão Escolar e Tecnologias desenvolvido em parceria com a Microsoft, e que está sendo realizado nas escolas da Rede Estadual de São Paulo.

“O acesso às tecnologias adquire sentido quando se consegue atribuir significado às informações e expressar-se por meio dessa tecnologia, utilizando-a para resolver problemas da própria vida”, destaca.

Doutora em Educação e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, do Departamento de Ciência da Computação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), acaba de lançar também o livro Inclusão Digital do Professor – formação e prática pedagógica (Ed. Articulação Universidade/Escola), que traz a tona discussões a respeito da prática pedagógica do professor no uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs).

Participou entre os dias 8 e 11 de setembro de 2004 da 47ª Conferência Internacional de Educação, e confirmou no encontro mundial o que intuitivamente já se imaginava: o acesso e uso das TICs é decisivo para o futuro de qualquer país.
Confira a seguir a entrevista de Beth Almeida:

O Brasil está muito atrás dos países mais desenvolvidos em relação ao uso de tecnologias aplicadas à educação?

Em relação à proposta inovadora de uso das TICs na educação não estamos atrasados. A diferença está na disponibilidade de equipamentos e principalmente de profissionais devidamente qualificados para preparar os professores. Por exemplo, há 15 anos, seria necessário muito esforço para disponibilizar equipamentos para capacitar, digamos, 50 educadores. Atualmente, a maioria das instituições brasileiras de formação dispõe de equipamentos para realizar essa preparação. Mas ainda faltam profissionais para atuar na formação dos professores. A adequada preparação de educadores exige muito mais recursos e tempo do que a aquisição de equipamentos.

Quais iniciativas a sra. destacaria como boas experiências no Brasil?

O Brasil possui excelentes experiências de uso educacional das TICs. Nosso maior problema continua sendo a incorporação das tecnologias às atividades de sala de aula e ao cotidiano dos sistemas de ensino. Temos experiências inovadoras, porém ainda estamos em fase de apropriação e disseminação.

Projetos bem-sucedidos em outros países podem ser adaptados ao Brasil?

Referências de outras experiências podem ser basilares para o trabalho brasileiro, assim como as experiências brasileiras podem ser reapropriadas por outros países, desde que sejam analisadas e contextualizadas a cada realidade.

O que chamou mais a sua atenção no Congresso da Unesco em Genebra?

A preocupação com o uso das TICs em sala de aula perpassou todas as apresentações e oficinas. Também ficou evidente que a incorporação das TICs ainda ocorre em situações específicas e não está disseminada pelos sistemas de ensino em distintas partes do mundo, mesmo quando existem equipamentos disponíveis. Mais uma vez, fica clara a importância de investir na formação de educadores.

Na prática, é viável implementar grandes políticas nacionais de uso das tecnologias ou as iniciativas pontuais geram melhores resultados?

Deve haver movimento nos dois sentidos, sendo que ambos se realimentam.

Em relação às escolas públicas e particulares no Brasil, há um abismo no uso das TICs em sala de aula?

Há um abismo na disponibilidade de recursos tecnológicos. Mas a incorporação concreta das TICs às atividades de sala de aula ainda acontece timidamente tanto em escolas públicas quanto particulares.

O que falta para que as TICs sejam, de fato, úteis aos professores, alunos e comunidade escolar?

É preciso maior investimento na formação continuada dos educadores e disponibilidade de equipamentos para todos com conexão de qualidade à Internet.

Quais as prioridades que os governos devem ter em relação ao uso de TICs nas escolas públicas?

Formação de educadores, entre professores e gestores, disponibilidade de equipamentos, conexão e pessoal de suporte, como é o caso do Programa Aluno-Monitor e de técnicos devidamente preparados.

De um lado existe a demanda tecnológica (aquisição, manutenção e atualização de hardware e software). De outro, a formação dos profissionais que vão lidar com a tecnologia e transmitir conhecimentos. Na visão da sra., onde reside a maior deficiência nas escolas públicas?

Todos esses aspectos caminham juntos e constituem enormes desafios a superar. A parceria entre diferentes instâncias do setor publico, bem como a participação da iniciativa privada podem impulsionar os avanços.

De que modo?

Definindo políticas públicas e garantindo recursos que permitam atuar em todas as dimensões simultaneamente. Já temos conhecimento produzido sobre como fazer a formação de educadores para a incorporação das TICs na sala de aula. A questão é que não se pode exigir que o professor o faça, quando ele mesmo não está inserido na cultura digital e somente tem acesso ao computador no momento da sua aula, juntamente com os alunos.

E qual o caminho para desenvolver a cultura digital?

É necessário interagir com a tecnologia, apreender suas principais propriedades e potencialidades para uso pedagógico. Isso não significa apenas facilitar a compra de computadores e ofertar curso técnico de informática aos professores. Trata-se de uma formação continuada que integra as dimensões de domínio tecnológico, prática pedagógica com o uso da tecnologia, teorias educacionais e gestão de espaços, tempos e recursos. O sentido da inclusão digital do aluno está inter-relacionado com o sentido da inclusão digital do professor, do gestor escolar e de todos que atuam na escola.

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